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Escrituras
- Bodhidharma, o Primeiro Patriarca Chan (Zen)
Durante 45 anos o ministério do Buda Shakyamuni converteu milhares de pessoas para o seu Caminho. Mas o que exatamente é aquela Verdade e Camnho não podemos determinar a partir de escrituras ou consenso. Há uma falta de documentação e um excesso de opiniões. Logo após a morte do Buda Shakyamuni um grupo de seus discípulos foi convocado a fim de recolher os seus ensinamentos e dispô-los em formas mais facilmente memorizáveis. Convencidos de que suas memórias individuais poderiam sobreviver a guerra, peste, fome, senilidade, etc, e ainda permanecerem em perfeito acordo, eles se dispersaram para ensinar e pregar. Qualquer um que já tentou lembrar dois versos consecutivos (quando não linhas) do seu hino nacional pode adivinhar o resultado. Logo haviam lapsos de memória e tantos desacordos que foi necessário, cem anos mais tarde, em 380 a.C. os sacerdotes se reunirem a fim de reorganizar os ensinamentos. Eles não tinham nenhuma solução para o problema e, talvez porque não tinham alternativa, eles mais uma vez recorreram à memória. Ninguém sabe ao certo quando os arianos ganharam o conhecimento da escrita. O documento mais antigo que temos da Índia vem de um dos escribas de Alexandre o Grande que registrou eventos de invasão do jovem conquistador da Índia em 327 a.C. A mais antiga escrita nativa que tem chegado até nós são alguns dos éditos do Imperador Ashoka preservada em inscrições em pedra. Ashoka reinou de cerca de 268 a.C. a 232 a.C. Em 250 a.C., então, era certamente possível imprimir os ensinamentos, mas ainda assim, até onde sabemos, ninguém decidiu fazê-lo. Os ensinamentos religiosos eram tradicionalmente transmitidos através das gerações sacerdotais e provavelmente não era de interesse do clero quebrar essa tradição. Aquele que possuía o conhecimento sagrado possuía o poder sagrado, e era considerado um sacrilégio colocar tal poder em mãos vulgares. Independentemente das razões, os ensinamentos de Buda Shakyamuni não foram impressos até 80 a.C. quando os sacerdotes do Sri Lanka finalmente cederam e escreveram tudo o que podiam se lembrar. Quanto crédito podemos dar à textos (o Canone em Pali) compilados tanto tempo depois do ensino real? Consideremos a versão deles dos pronunciamentos do Buda Shakyamuni leito de morte, este que é um dos textos menos controversos no budismo. De acordo com o Sutra Mahaparinibbana, este velho de oitenta anos, expirando na agonia da intoxicação alimentar, adiou sua morte tempo suficiente para: 1. Instruir seus seguidores a suspender a prática de tratar uns ao outros como "amigos", como haviam feito enquanto ele estava vivo. Futuramente, os discípulos iniciantes trataram os discípulos experientes como Senhor ou Venerável. Os discípulos mais velhos ainda poderiam chamar de "amigo" os discípulos iniciantes, ou, se quisessem, tratá-los por seus própios nomes. (Ele não especificou como discípulos iniciantes deveriam tratar uns aos outros.) 2. Permitir as comunidades sacerdotais alterar ou abolir como bem escolherem qualquer um dos preceitos menores do Caminho (ele não especificou quais preceitos são menores). 3. Determinar que seu discípulo amado e ex-empregado, Channa, fosse banido da Comunidade como punição por ter presumido que sua ligação e proximidade com o Buda Shakyamuni lhe daria direito de se comportar de maneira arrogante para com os outros discípulos. 4. Pronunciar que todos (com a exceção óbvia de Channa) estavam espiritualmente realizados, seguro e sem dúvidas (avalizando suas opiniões doutrinárias e versões dos acontecimentos), e, tendo deixado tudo isso perfeitamente e clara, acrescentou: 5. "Todas as coisas estão condicionadas e são transitórias. Trabalhem diligentemente para a sua salvação". Então ele morreu. Para descontrair, é uma cena de leito de morte Charles Dickens1 não poderia ter feito melhor. Infelizmente, com o advento da escrita aumentou-se a exuberância e a diversidade da representação dos fatos. Não contente com seu monopólio sobre edições existentes da verdade prescrita - leigos comuns não tinham bibliotecas particulares - sacerdotes, os anciãos e eruditos budistas de todos as matizes começaram a criar literatura sagrada para atender a si mesmos e suas audiências. Aqueles com pretensões Bramanes misturavam suas obras com o Bramanismo. Aqueles simpatizavam com o Jainismo, misturavam as crenças Jainistas com os dogmas budistas. Intelectuais, tentendo às exposições hard-core do Samkhya, atavam suas dissertações com as da metafísica e da disciplina yogue, e os espiritualmente imaturos, como de costume, escreveram panfletos que ofereciam a salvação através da obediência a infindáveis regras de conduta. Para os jovens de espírito, histórias comoventes sobre os esforços do Buda para salvar a vida de inocentes - como a vez que ele se transforma em um coelho e pulou em uma frigideira para servir de refeição - foram genialmete registradas. Mais surpreendente de tudo foram os escritos doentios de autores que alegavam que o Buda Shakyamuni exortou seu rebanho para entrar em todo tipo de prática sexual. Estes autores citaram que ele defendia que se fizesse sexo com qualquer e todos os tipos de mulheres, incluindo aquelas que tornariam o ato incestuoso, adúltero ou pedófilo; a matar qualquer animal e comer qualquer tipo de carne, incluindo carne humana; mentir; roubar, e cometer vários outros crimes e delitos graves para obter a "libertação". Como a Escritura Tantra Guhyasamaja, explica: "A perfeição pode ser adquirida em satisfazer todos os desejos". Para alguns, então, o budismo impunha o Inferno para quem pisasse em uma formiga, e para outros, o Paraíso era adquirido por dormir com a própria mãe. O budismo se tornara uma religião universal: todas as coisas para todas as pessoas. Não importava quão sórdida, bizarra ou infantil estratégia para a salvação pudesse parecer, mas ela apareceria em alguma escritura sagrada. Como H.G. Wells2 descreveu a literatura budista no seu Esboço de História: "Não parece haver nenhum limite para as mentiras que os discípulos de um homem honesto, mas estúpido, vão dizer para a glória de seu mestre e para a glória daquilo que consideram ser o sucesso de suas promessas de salvação (...) é um dos absurdos de nossa natureza humana". Em que, então, os pontos de vista budistas originais consistem? Só podemos concluir que quando o Buda Shakyamuni estabeleceu uma nova religião e atraiu as pessoas para se juntarem a ele em ver a vida de seu ponto de vista, seus pontos de vista tinham que ser sensivelmente diferentes das dos seus competidores. Não havia, por exemplo, nenhum sistema de castas no budismo. E como não houve nenhuma casta (como punição ou recompensa espiritual), não poderia haver karma (como ações, para justificar algum mérito ou demérito espiritual) ou reencarnação (o meio pelo qual recompensa ou punição espiritual era aplicada). Paradoxalmente, enquanto o budismo negou que qualquer coisa poderia ser classificada como boa ou má, a fim de experimentar um estado tranquilo e de não-julgamento diretamente, um devoto tinha que se comportar. Moralidade sem ser julgamentos - um novo conceito! O budismo aderiu à visão tradicional da realidade versus ilusão, isto é, do céu contra o inferno, da Eternidade versus tempo de Greenwich, do Nirvana contra Samsara, de ego-consciência contra a consciência-Buda, e assim por diante. Em suma, o Nirvana era real e Samsara era apenas o mundo das aparências, o mundo apreendido pelo ego fictício com os seus sentidos não confiáveis, e distorcido por a sua consciência egocêntrica. O que o sujeito comum chamava de realidade, o budismo afirmava que é apenas ilusão, ou Maya. Para experimentar a realidade "verdadeira", o ego tinha que ser transcendido. Quanto aos seres supremos, o Buda reconheceu a existência de muitos Budas, Mahasattvas, Bodhisattvas, Reis Celestes, e uma variedade de deuses, mas como criaturas míticas que repousavam no céu do Nirvana Tushita, o lugar conceitual dos oitavo e nono Mundos. Todos esses seres foram encontrados por aqueles indivíduos que atingiram estados espirituais elevados. Ele não abraçou, porém, qualquer grande deus cósmico dotado de personalidade, vontade, segredo e uma agenda um tanto preconceituosa. Ele não via um Deus que criava e destruia a seu gosto as pessoas, lugares e coisas do nosso universo. A base cósmica de todo o ser era a Vacuidade, o décimo mundo, o destino dos praticantes com ego-esvaziado que haviam completado sua turnê bem-aventurada nos oitavo e nono Mundos. Para qualquer um dos efeitos práticos da religião, o grande deus do budismo é a Natureza Buda que, pode-se dizer, existe apenas em criaturas conscientees e pensntes. (Será que uma pedra tem a Natureza de Buda? Não. Uma ameba tem a Natureza de Buda? Não. Um cão tem a Natureza Buda? Talvez. Será que um golfinho ou uma baleia tem a Natureza Buda? Conte com isso.) Não há um grande deus exterior nem um pequeno deus interior, isto é, nenhum ego individual que dirige o seu próprio destino precioso. Dissipar a noção de que, na realidade, cada ser humano é um eu separado é, talvez, o objetivo mais importante da disciplina budista.
Basicamente, o Buda Shakyamuni propôs Quatro Nobres Verdades: Parece à primeira vista que não há muito aqui para se discutir, mas ainda assim as áreas de desacordo tornaram-se grandes. Consideremos as regras referentes à alimentação. De modo geral, os monges do Sri Lanka, uma ilha, podem comer frutos do mar. Sacerdotes japoneses podem comer frutos do mar e filé mignon também, desde que sejam provenientes de doação. Budistas chineses são vegetarianos, não importa onde vivam ou o que lhes é dado. E sobre a conduta sexual? Sacerdotes japoneses podem se casar. Sacerdotes chineses são celibatários. Sacerdotes tailandeses não podem tocar a carne de um ser humano do sexo feminino ou até mesmo sentar em uma mesa de jantar com uma monja ou mesmo sentar em uma mesa de jantar com qualquer homem que não seja um monge. No outro extremo, os sacerdotes de yoga ou ordem tântrica recebem instruções para a realização de rituais sexuais. E sobre a reencarnação? A maioria dos chineses e japoneses budistas virtualmente ignoram o assunto, enquanto a vida dos budistas tibetanos são tão permeada de transmigrações que pode-se dizer que todo mundo é, ou era, outra pessoa. Os desacordos entre as várias facções - Norte, Sul, Leste, Oeste – se transformaram em crítica indignada. Nada limitava a extravagância das escrituras. Autores fanáticamente zelosos endeusaram Siddhartha Gautama e lhe proporcionaram o nascimento milagroso obrigatório (deuses não podem ser trazidos pela cegonha, como o resto de nós). Foi dito que a Rainha Maya o concebeu ao sonhar com um elefante de seis presas que modestamente a penetrou. Ela gerou o bebê de enquanto a flora e fauna, em geral indiferente, observaram entusiasmados. Toda vez que sacerdotes alfabetizados tinham uma idéia, eles satisfaziam exigências de publicação ressuscitando o primo do Buda, Ananda, que fornecia uma sinopse convincente ou depoimento pessoal: "Assim eu ouvi o Abençoado dizer (...)" , como os Sutras começam. De tal foram milhares de páginas de citações diretas do Buddha Shakyamuni foram escritas centenas de anos após sua morte. Para complicar ainda mais, era prática os escribas alterarem o texto para fim de esclarecimentos. Assim, surge a grande regra de escrituras budistas: quanto mais antigo e menor o texto, mais autêntico. Com tantas coisas diferentes, sendo escritas por tantos, um cisma tinha que acontecer. Demorou apenas algumas centenas de anos após a morte do Buda Shakyamuni para o budismo se dividir em dois sistemas antagônicos, o Theravada conservador, chamado pejorativamente Hinayana (jangada pequena) e Mahayana (grande jangada), cada um com seu próprio cânon e cada um contendo diferentes escolas. Yanas são meios de consegir algo, ou veículos, como se fossem jangadas utilizadas para a passagem das águas turbulentas que separam a consciência do ego-contaminado do Samsara da consciência pura do Nirvana. "Chegar à outra margem" é a maneira tradicional que os budistas descrevem o evento da salvação. Não é no Sétimo Mundo de iniciante ou no Décimo Mundo (o Vazio) dos adeptos que encontramos grandes diferenças entre estes dois barcos. Embora uma discussão detalhada dos oitavo e nono Mundos esteja fora do objetivo deste trabalho, podemos observar que a teologia budista abraça uma Trindade de Pessoas Divinas: Buddha, Bodhisattva, e Futuro Buda. A figura androgínica insperadora de Salvador, o Bodhisattva, é visto como uma entidade celestial, esta balsa para salvação está a em águas Mahayana. Quando, porém, um Guru ou Mestre Perfeito é visto como de encarnação do Salvador, a balsa navega no Hinayana. Assim, um único ser celestial, Guan Yin ou Avalokitesvara, pode deixar multidões na outra margem, enquanto um mestre relativamente desconhecido pode entregar apenas aqueles poucos discípulos que realmente tiveram acesso a ele. Theravades, portanto, exigem que muitos mestres alcançem a perfeição. Em ambos os casos, o devoto dá a luz (espiritualmente) ao Feto Imortal ou Criança Divina, o protótipo do que é Maitreya (Mitra), o Futuro Buda. Um terceiro navio, o Vajrayana (jangada relâmpago) foi adicionado à frota quando o budismo tântrico se misturou à religião Bon do Tibete entre os séculos VII e IX - após a invasão muçulmana da Índia. A jangada Vajrayana suporta toda a gama de crença budista; desde metodologias sexualmente conservadoras até formas libertinas; de crenças xamânicas a teologia moderna, e, é claro, a devoção a um Mestre Perfeito, o Dalai Lama, que é considerado um Avatar de Avalokitesvara. Para que o Chan se tornasse o elegante "navio para a salvação", que provou ser, teve que abandonar de mil anos de literaturas confusas. Mas seu barco não ficou a deriva nas águas traiçoeiras da salvação. O Chan manteve algumas escrituras Mahayana, dos Sutras Prajna Paramita e Sutra da Plataforma do Sexto Patriarca. Além disso, recebeu influências da elegante literatura do Taoísmo Clássico e dos manuais esotéricos Taoístas.
Notas do tradutor:
O Sétimo Mundo do Buddhismo Chan
Capítulo 8: Escrituras, Página 1 de 1 |
Última modificação:
Dezembro 18, 2011
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