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Ming Zhen Shakya, OHY
O que é Zen Buddhismo?
Parte I - Cristianismo e Zen
pela Reverenda Ming Zhen Shakya

Nos últimos anos, os cristãos têm mostrado um interesse cada vez maior no Buddhismo ­ um interesse que, creio, não surge tanto por academicismo ou curiosidade devido à sua proximidade, nem por qualquer insatisfação com o Cristianismo, mas sim de um desejo de retornar às velhas formas de prática cristã... Formas que incluíam os vários métodos de meditação que são ainda seguidos no Buddhismo.

A história do Buddhismo é tal que, tendo sindo fundado em um tempo e lugar onde a alfabetização não era comum, ele foi se disseminando oralmente, e nunca se encontrou formalizado ou codificado por quaisquer forças organizadoras. O Buddhismo estava em todos os lugares e fora de controle antes que qualquer um confinasse seus ensinamentos em impressões. O gênio estava fora da garrafa, por assim dizer; e ninguém estava capacitado a colocá-lo dentro dela novamente. O lado positivo dessa liberdade e diversidade é que o Buddhismo raramente teve que se envolver em contendas relacionadas a políticas organizacionais. Muitas coisas foram adicionadas ao Buddhismo... Mas nada ­ nenhuma técnica, nenhum método ­ nunca foi uniformemente imposto. O entrelaçamento entre Igreja e Estado nunca teve lugar no Buddhismo da maneira como aconteceu com o Cristianismo.

Se nós pudermos imaginar o Congresso norte americano guiando nossa vida religiosa, nós poderemos imaginar o que os primeiros cristãos tiveram que encarar... Lá haviam autoridades civis e religiosas em uma espécie de organização, bicameral, de poder executivo e legislativo. Reis e Papas, Duques e Arcebispos, além de uma variedade de nobres menores e padres. Naqueles dias, antes dos Chrysler Motors, Southwest Airlines e Amtrak, uma pessoa podia, muito comumente, nascer, viver e morrer, tudo isso dentro de um raio de 50 milhas. Ao lado do xerife do condado, a única figura de autoridade que um homem comum conhecia era o padre de sua paróquia. Esses sacerdotes tinham que preencher vários papéis. Eles eram advogados, juízes, conselheiros familiares, técnicos esportivos de pequenas ligas, doutores, psicólogos, professores, supervisores da administração eclesial e da manutenção das construções, e, acima de tudo isso, eles eram convocados para escrever cartas e sermões, ouvir confissões e oficiar rituais. Nenhuma pessoa suficientemente racional invejaria o trabalho de um sacerdote paroquial do século XIV.

Cristãos tinham acesso às metodologias de todos os santos ­ seus métodos para obter estados exaltados de união com Deus; e muitos adotavam tais técnicas meditativas para seu uso e, por meio disso, tornavam-se místicos, pessoas que poduam comunicar-se diretamente com Deus.

Místicos são anarquistas espirituais. Você não pode dizer a alguém que tenha um elo comunicativo direto com Deus o que você acha que a palavra divina significa ou o que o que você acha que a vontade divina pretende. Um místico pode descobrir isso por si mesmo. Ele prefere dizer isso a você. A última coisa que um padre precisava era ter um místico em sua congregação desafiando sua autoridade. Ele já tinha coisas suficientes para fazer sem ter que lidar com esses elitistas inoportunos. Então claustros foram criados, adoráveis lugares onde os místicos podiam ir e contemplar Deus de maneira privada. Devia haver uma bela e enorme parede ao redor de todo o claustro. Mas essas paredes não eram suficientes nem para manter as pessoas do lado de fora, nem para manter os místicos do lado de dentro...

De qulquer forma, a meditação, o meio pelo qual podemos chegar a ter uma experiência direta com Deus, era deixada de lado ­ e a prece comum era posta em seu lugar. O que era enfatizado era a prática comunitária, não a solitária. Isso era uma mudança significativa. Catedrais, você irá lembrar-se, não eram criadas para acomodar congregações. Elas não eram coisa para gente comum. E, assim, o grande corpo de conhecimentos sobre meditação do Cristianismo foi escondido. Ninguém esperava que o stress da vida no século XX ou que a separação entre igreja e estado permitiriam que os cristãos explorassem os Caminhos secretos para Deus.

Tais técnicas meditativas têm estado ao alcance dos Buddhistas por dois milênios e meio. E ninguém nunca teve que se converter ao Buddhismo para usá-las. No Buddhismo, e particularmente no Zen Buddhismo, o sucesso não depende do número de pessoas que pudermos dizer que são Buddhistas. De fato, se a verdade deve ser dita, o Zen Buddhismo tem pouca ou nenhuma dinâmica de grupo.

Zen é o ramo místico do Budismo Mahayana. Como os Sufis estão para o Islamismo, os Cabalistas para o Judaísmo, os Yogues para o Hunduísmo e os Contempladores para o Cristianismo, assim o Zen está para o Budismo. E ele é singularmente não-congregacional.

Por exemplo, eu sou considerada o pastor de uma próspera congregação Buddhista, aqui no Condado de Clark. Bem, um pastor é, por definição, uma espécie de guia ­ mas o Zen é uma disciplina religiosa extremamente individualista, e guiar Zen Budistas é mais ou menos como tentar juntar um bando de gatos, como diz o ditado. Se você pode pegar um bando de gatos e movê-los para onde você quer e quando você quer, isso é porque você deixou para eles o aroma de um banquete, e não por qualquer coisa que tenha dito. Eu também me lembrei da resposta de Benito Mussolini quando alguém perguntou-lhe se era difícil governar os italianos. El Duce suspirou e disse: "Difícil? Não. Inútil!"

E é assim com o Zen. Há uma lei não escrita que diz que o Zen feito em grupo não é o Zen. É tão possível quanto desejável pregar o Dharma Buddhista para grandes quantidades de pessoas. Quanto mais melhor. Mas não Zen. O verdadeiro Zen é feito sozinho. Vamos considerar a definição do termo.

Zen é uma palavra, em sânscrito, que quer dizer meditação. Eu vou divagar dizendo-lhe que na China a palavra é escrita C-H-A-N e é pronunciada Jen, que é mais ou menos como é pronunciada na Índia. No sânscrito é escrito D-H-Y-A-N... duh yen. Agora, sempre que tivermos um D forte seguido pelo suave Y, nós pronunciaremos essa combinação d-y como um J. Por exemplo, quando nós dizemos em Inglês: "Did you go?", Did you se torna "didja". Didja go? É um processo natural da linguagem. Então, dh-yen se torna Jen, e então, Zen.

A palavra equivalente em Português é habitar. Quando nossa mente verdadeiramente habita ou medita sobre alguma coisa nós estamos praticando Zen. Obviamente, isso não significa que estejamos meramente pensando sobre um assunto ou nos preocupando com ele. Meditação, aqui, envolve o pensar como uma disciplina estruturada, ordenada. Quem medita concentra-se sobre seu objeto, cicundando-o mentalmente, e aquela concentração leva-o a uma absorção total. A dialética platônica é uma forma dessa rigorosa técnica meditativa; o koan do Zen é outra.

Na "República", por exemplo, Platão demonstra essa avançada técnica Zen quando ele põe Sócrates em um diálogo acerca da Justiça. O Buddha, no Surangama Sutra, usa a mesma técnica quando ele pergunta sobre a natureza da Mente. O que é a mente? O que é a justiça? Qual é o som de uma única mão batendo palmas? Essa forma estruturada de questionar é uma antiga forma de meditação.

Mas o importante aqui não é adquirir conhecimento sobre mente, justiça ou mãos. Esses tópicos são apenas uma desculpa, por assim dizer, para entrar nos níveis mais altos de consciência: concentração, meditação, e, se nós formos sortudos, o êxtase orgásmico da união divina, um estado que chamamos de samadhi. Entrar nas terras do Zen, experimentar o sagrado estado de samadhi, aquele estado de felicidade incomparável, é o objetivo de qualquer prática espiritual. E, obviamente, esse não é o tipo de meta que um praticante sério desejaria atingir em um meio público. Prece e meditaçao são práticas pessoais e privadas. Qualquer Zen Buddhista sabe disso tão bem quanto qualquer cristão. Em Mateus, cpítulo 6, versículo 6, Jesus diz: "Tu, porém, quando orares, entra no teu quarto e, fechada a porta, orarás a teu Pai, que te ouve em segredo; e teu Pai, que vê em segredo, te recompensará publicamente."

Quando você obtém sucesso na meditação, o resultado é claro. Você muda! Você irradia alegria ­ você é recompensado publicamente!

Companheirismo pode ser valioso. A natureza humana é tal que as pessoas podem precisar ter a certeza de sentir que fazem parte de um grupo. E, por isso, nós encontramos muitas organizações Zen cujos membros regularmente se encontram para sentarem-se em suas almofadas, beber uma xícara de chá e ter algumas conversas sobre espiritualidade. Não há nada de prejudicial sobre o companheirismo, mas isso não é Zen ­ é apenas companheirismo, ou seja, é algo social. Jesus não disse que você não deveria ir ao Templo. Ele disse que quando você deseja comunicar-se com Deus, não deve fazer um espetáculo público de sua piedade. Fale com Deus em particular.

O grande problema com o Zen em grupo surge no tipo de técnica meditativa que é comumente utilizado por esses grupos, a técnica chamada de "esvaziar a mente". Como técnica avançada, isso é fascinante. Mas isso não deveria, nunca, ser tentado por alguém que nunca experimentou o Samadhi e alguns outros estados alterados de consciência. Sim, porque as instruções são tão simples que qualquer um sente-se capacitado a tentá-la. Tudo o que você precisa fazer é sentar-se e parar de pensar. Cada vez que algum pensamento surge em sua mente, você o apaga. O objetivo é conseguir uma mente livre de pensamentos. Cada pensamento é comparado a uma partícula de poeira que suja sua mente, e você é obrigado a limpá-la imediatamente.

Infelizmente, esse polimento pode ter consequências sérias. Na próxima vez em que você se vir sentado e sem nada melhor para fazer, tente tornar sua mente vazia, pensando sobre nada. Sem pensamentos. Uma pessoa comum não pode permanecer sem pensamentos por mais do que uns poucos segundos, na melhor das hipóteses. Ele se levantará rapidamente, a não ser que ele encontre algum significado soteriológico nessa atividade. Se ele encontrou nisso algum meio de chegar à salvação espiritual, então ele usará todas as suas forças em sua tentativa - ou também se ele estava respondendo a pressão social, esse fervor religioso que inspira a histeria em massa e a hipnose em massa. Em ambos os casos, uma pessoa pode realmente tentar esmagar seu cérebro em submissão.

Essa auto-flagelação mental então se torna um estranho tipo de sadomasoquismo. O que mais costuma acompanhar essa atividade é o estado que nós chamamos de Quietismo ­ uma suavidade estupefante; um infeliz, entorpecido e passivo estado em que as bênçãos e labores da vida são aceitados sem qualquer tipo de crítica. Isso não é uma equanimidade razoável. Isso é mera estupidez vegetativa.

Voltando ao século sétimo, Hui Neng, o Sexto e último Patriarca do Zen, que fundou a Ordem na qual eu fui admitida na China, uma vez aproximou-se de um jovem monge que sempre se sentava em sua almofada, tentando meditar desta maneira. "Porque você gasta tanto tempo se sentando assim?", ele perguntou ao monge. "Porque eu quero me tornar um Buddha", o monge respondeu. O Sexto Patriarca balançou a cabeça: "Meu filho, você poderia fazer um espelho polindo uma pedra mais facilmente do que se tornar um Buddha sentando-se em uma almofada."

Mas, geralmente, a pessoa que tenta essa técnica falha miseravelmente, e então, frustrada e desapontada, ela abandona o Zen, julgando que ele é inútil - e mesmo um tanto quanto bizarro. O que é necessário no Zen ou em qualquer outra disciplina religiosa é clareza de pensamentos. A vida pode ser cruel e confusa, especialmente quando nós descobrimos que nós somos enormemente responsáveis pelo caos no qual nos encontramos imersos. Nós precisamos entender noss situação. Escapar da vida sentando-nos em uma almofada e obliterando nossas mentes é a pior resposta para qualquer coisa.

Na próxima semana nós discutremos como um praticante do Zen desenvolve a clareza de pensamento necessária para transcender a consciência do ego ­ o estado no qual o ego não existe.

 
Última modificação: 12/01/2006
Ordem Zen-Buddhista de Hsu Yun
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