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Ming Zhen Shakya, OHY
Palestra dada à Sociedade Zen Buddhista Nan Hua
11 de Agosto de 1998
pela Reverenda Ming Zhen Shakya

Reverenda Chuan Cheng, Candidatos à Ordenação, membros da Congregação, e Amigos;

Nesta noite eu gostaria de falar sobre a raiva e seu parceiro emocional, o orgulho.

No Zen acreditamos que os Portões do Nirvana são guardados por dois dos deuses de nossa própria psiquê... Ou, como os chamamos, de acordo com Jung, "Arquétipos ou Personificações de Instintos".

Os Gregos, em particular, reconheceram estas estranhas forças emocionais e as chamaram deuses Olimpianos. Assim, em nossa cabeça temos um panteão de deuses psicológicos... Um para a sexualidade, um para a maternidade, um para o heroísmo... E assim por diante. Quando projetamos o deus do amor em alguém o resultado, como vocês podem imaginar, é que ficamos cegamente apaixonados... "Cegamente" porque nunca vemos o objeto de nossa afeição como realmente é, mas como a criatura maravilhosamente divina que projetamos sobre ele ou ela. Isso é verdade para qualquer um ou qualquer coisa pela qual experimentamos atração ou aversão. Ficamos cegos para suas verdadeiras qualidades -- ou falta delas. Todos esses apegos são condicionais, e quando as condições mudam ou não são satisfeitas, normalmente ficamos desiludidos e nos arrependemos de nossa afeição ou inimizade.

Mas os dois deuses com os quais nos preocupamos hoje são a Persona e a Sombra (o inimigo). A raiva é simplesmente a ferramenta emocional usada pela Sombra do mesmo modo que o orgulho é a ferramenta emocional usada pela Persona. Estes dois deuses ou arquétipos ficam tanto dentro como fora da psiquê. A Sombra fica fora porque ele age como nosso protetor. Fica desconfiada e com medo e rapidamente mostra raiva e desprezo A Persona fica fora porque é a máscara que vestimos... O modo como queremos que os outros nos vejam... Nossa auto-imagem. Quando nos entregamos `a Persona ficamos cegos para nós mesmos, para o que realmente somos.

Todos os deuses ou arquétipos, como Jung notou, têm literalmente mentes próprias... Mentes que infelizmente não são terrivelmente brilhantes. A Sombra, por exemplo, pode ter uma má experiência com um membro de uma raça ou nacionalidade e então olhar com medo e aversão para todos os membros daquela raça ou nacionalidade. E a Persona, bem a Persona acredita que as qualidades de uma posse magicamente aderem ao possuidor; assim a pessoa que tem uma casa de milhão de dólares é muito melhor que a que mora num trailer.

Agora, enquanto tivermos vestindo confortavelmente nossa Máscara da Persona, estaremos bastante confortáveis. Sabemos como agir; e estamos orgulhosos de sermos - e aqui você pode preencher a lacuna - médicos, policiais, profissionais de algum tipo... Ou pais da criança mais bonita e talentosa do mundo.

Mas quando nossa identidade Persona é danificada ou removida... Quando não podemos mais manter o papel ao qual estamos tão acostumados, quando estamos embaraçados ou quando chegamos em casa à noite e não somos mais policiais ou médicos ou quando as crianças crescem e nos deixam, nos sentimos muito desconfortáveis. Não sabemos como agir, para nos adaptarmos ao estranho ambiente no qual as pessoas nos vêem como somos, e não "a caráter", como no Teatro. Estamos "desmascarados" ou "sem uniforme" ou, como vemos em sonhos, estamos nus. Não podemos lançar mão de velhos estratagemas, ou daquela velha pose autoritária.

Dependemos do nosso orgulho para nos guiar. O orgulho é como um líder de fanfarra que vem pela rua todo cheio de si e de cabeça empinada, à frente de nossa pequena banda. Ele olha para a multidão com a cabeça erguida bem alto... Tão alto que ele simplesmente não vê aquele enorme buraco no qual está prestes a pisar e a nos levar com ele. Assim, na Bíblia, os Provérbios nos avisam: "A Arrogância precede a ruína, e o espírito altivo, a queda".

A Sombra é um instinto que realmente trabalha pela auto-preservação. Se nos sentimos ameaçados por uma pessoa, a resposta instintiva da Sombra é a de matar aquela pessoa. É uma maneira eficiente de remover a ameaça. A Sombra diz, "Ele me deixa tão louco que eu poderia matá-lo!" Mas a Persona diz, "Espere um pouco... Você não pode matar um ser humano! Você vai me desgraçar! Não posso ter um assassino na minha família! Faça alguma outra coisa!" E então a Sombra chega a um meio-termo aceitável. Reduz a pessoa ameaçadora a um estado sub-humano... A Sombra escolhe um animal - normalmente um que rouba nossa comida - que pode ser morto não apenas impunemente, mas com honra. E então quando estamos com raiva dizemos, "Seu rato... gambá... víbora... cadela... vaca..."

O Zen requer de nós que demos de volta para a pessoa a sua humanidade e que lidemos com nossa raiva diretamente. Na verdade se quisermos ir a qualquer lugar na vida espiritual, temos que deixar cair nosso ego e aposentar nossas Persona e Sombra.

Mas eles não querem se aposentar. E assim a grande luta começa. Como lidamos com a raiva? Comecemos com o pior: a raiva que sentimos como resposta ao insulto.

O insulto é uma ferida em nosso orgulho, nossa Persona. Estranhamente a única maneira que imaginamos para curar esta ferida é criar uma ainda maior na pessoa que nos embaraçou ou humilhou. Isto, é claro, explica nossa dificuldade em aceitar a culpa por nossos próprios erros.

Uma das melhores linhas iniciais em toda a literatura é a que Edgar Allan Poe escreveu para seu conto "O Barril de Amontillado". O narrador começa: " Suportei o melhor que pude as mil e uma injúrias de Fortunato; começou a entrar pelo insulto, jurei vingança".

Pobre Fortunato. Ele pode ter injuriado o narrador ao emprestar algo que não devolveu, ou ao prometer algo que não cumpriu, ou atropelar seu cachorro na rodovia. Nós injuriamos uns aos outros de várias formas e, como o narrador, superamos. Lidamos com o assunto da melhor maneira que podemos.

Mas então Fortunato cometeu o erro de adicionar um insulto àquelas injúrias, ou seja, feriu o orgulho do narrador, seu senso de auto-estima - e isso já é diferente. E como o narrador curou sua própria ferida causando uma ainda maior em Fortunato? Bem, Fortunato era um homem orgulhoso também... Ele se gabava de ser um grande connoiseur de vinhos e o narrador facilmente toca este acorde da vulnerabilidade de Fortunato, como um flautista mágico, atrair Fortunato à sua adega onde, tendo tijolos e argamassa prontos, ergue uma parede, prendendo-o vivo.

Shakespeare também demonstra o duo orgulho e raiva: deixa Iago provocar Othelo causando raiva ao dizer, de forma persuasiva, "Quem rouba minha bolsa rouba lixo; mas quem rouba meu bom nome me rouba daquilo que não o enriquece, mas me torna pobre, de fato."

A Persona é por definição um deus orgulhoso e não gosta de ser humilhado ou feito pobre.

Então, sempre procuramos maneiras de nos orgulharmos de nós mesmos. procuramos e se necessário inventamos diferenças morais entre nós e outros. Se, por exemplo, estamos discutindo os crimes e falhas de outra pessoa, acharemos diferenças sutis entre a nossa conduta e a do outro. Achamos a linha separatória. Dizemos, "Aquele homem é terrível! Ele bate em sua mulher sem motivo... Eu bato em minha mulher também, mas eu pelo menos me certifico de que ela merece antes de bater nela."

Deveríamos pensar sobre aquele "eu, pelo menos..." na próxima vez que criticarmos alguém. Achar aquela linha divisória e apagá-la. Devemos também não confundir tipo com grau. Assassinato não é o mesmo que estacionar na vaga de outra pessoa... Se bem que este pode muito bem ser a provocação que causa um assassinato.

E devemos ter cuidado ao calibrar diferenças em grau. O homem que mata apenas cinco homens não é muito melhor homem que aquele que mata seis.

Também devemos pensar duas vezes antes de danificar a reputação de alguém. Se seguirmos a regra da Fala Correta não poderemos nos gabar. Sabemos, ou deveríamos, que nossos comentários negativos serão exagerados e chegarão à nossa vítima... E então ela terá algo ainda mais insultante a dizer sobre nós... Contra o que, claro, teremos que nos defender. E assim continua... Sim, sabemos que há duas maneiras de ganhar uma corrida: podemos correr mais que nosso oponente ou podemos dar um jeito para que nosso oponente vá mais devagar que nós. Mas prejudicar a reputação de outra pessoa é uma maneira indecente de ganhar. Há atitudes melhores, mais construtivas a se tomar.

Certa vez ouvi Paul Hogan, famoso por Crocodilo Dundee, discutir os sucessos nacionais da Austrália. Ele disse, "Tínhamos dois modelos a seguir: Poderíamos ter seguido a Grã-Bretanha ou os Estados Unidos. Na Grã-Bretanha, num dia frio, quando um homem pobre está em uma esquina e vê um homem rico passar em seu Rolls Royce, ele rosna e diz, 'Algum dia, vou te arrancar desse carro e te mostrar como é ficar aqui e tremer de frio!' Mas nos Estados Unidos, um homem pobre que vê um rico em seu Rolls Royce diz, 'Algum dia terei um carro como aquele!' Nós na Austrália decidimos seguir o modelo Americano".

E este é o modelo que os Buddhistas devem tentar seguir também. Em nosso cotidiano, devemos vencer nosso oponente porque fomos melhores. Devemos tentar crescer por nossos próprios méritos - não tentar parecer melhores por causa dos problemas de nosso competidor que, por coincidência, normalmente gastamos uma enorme energia tentando estabelecer. Algumas vezes é como o crime... Lemos sobre um homem que arquitetou o mais elaborado esquema criminal e dizemos para nós mesmos, se ele tivesse usado aquele cérebro para fazer alguma coisa honesta, teria feito uma fortuna.

E se pensarmos que somos melhores que nosso oponente e ainda assim ele ganhar, temos que mostrar um pouco de graça... Alguma boa vontade. Pelo menos deveríamos nos lembrar das vezes que fomos favoritos ou que tivemos sorte.

A raiva algumas vezes é perigosa. Não devemos pensar que desde que não enterremos alguém vivo em nossa adega não temos com o que nos preocupar. Raiva na estrada, por exemplo, pode matar.

Como mencionamos, a Persona e a Sombra conspiram para defender o ego. Mas há algo biológico estranho envolvido nisso. O homem é caçador... Tem que comer... E nada contribui para a causa da auto-preservação mais do que comer. Para comer, temos que matar, para matar temos que capturar, e para capturar temos que perseguir. Esse instinto existe em cada um de nós. Somos programados para agir dessa forma. Mas onde o homem urbano pode dar vazão a esse instinto? Onde ele, que vive plantado em um sofá, pode liberar a agressão que o caçador numa área selvagem pode liberar todos os dias em busca de seu jantar? Onde? Na rodovia, é claro. A rodovia faz vir à tona o predador em nós. A rodovia é o lugar onde o homem urbano se torna o Senhor da Caça. (E se pensarmos que a Persona não tem a ver com isso, basta tentar explicar os troféus trazidos das caçadas sem a carga emocional do orgulho da Persona).

Na rodovia o carro à nossa frente é a presa. Temos que fechá-lo ou ultrapassá-lo. "Colamos" nele. Se a velocidade dele não excede o limite por mais de uns dez quilômetros por hora, entramos em ação. Temos que ultrapassá-lo... Ganhar a corrida. Bem, porque temos que ficar à frente dele? Qual o sentido disso? Pensemos. Há milhões de carros à nossa frente na rodovia.

Então ter raiva do carro à nossa frente é normalmente apenas uma maneira de viver a emoção da caçada, de espreitar nossa presa. O pretexto normalmente é "temos pressa". Precisamos nos entregar a essa caça por esporte porque "estamos atrasados e precisamos chegar à algum lugar". Mas esta caçada... Este esporte pode ser tão excitante que nós deliberadamente nos atrasamos para podermos nos entregar a ele. Quando nossos relógios nos dizem que devemos ir... Para chegar ao destino pontualmente... Bom, apertamos o botão da soneca... Ou queremos ver um novo comercial na TV... Oi o final de um jogo de futebol... Mas qualquer motivo servirá. Um Zen Buddhista deve carregar um martelo e cada vez que sentir "pressa" deve martelar a própria cabeça até descobrir por que gerenciou tão mal seu tempo a ponto de agora ter que se apressar. Ele precisa rachar a casca da desculpa que dá a si mesmo e descobrir o verdadeiro motivo.

Então o que fazemos quando nos descobrimos com raiva? Como Zen Buddhistas devemos nos lembrar de quando fizemos algo idiota ou que prejudicasse alguém ou quando dissemos algo sarcástico ou insultante. Talvez tenhamos saído ilesos do episódio, talvez não. Só não podemos nos esquecer das vezes em que não tivemos problemas fazendo isso... E expressar nosso desprezo pelas pessoas que não se deram bem. Também não podemos tomar a atitude contrária e dizer "Bem, tive que pagar pelos meus erros, então deixe que ele pague pelos dele!" E então passar a ser o juiz e o júri em seja lá qual for o julgamento que inventamos em nossas mentes.

O que nos traz, finalmente, à maneira mais poderosa de nos livrarmos da raiva e insultos ao nosso orgulho: entramos na mente de nosso adversário e, como se o estivéssemos defendendo em um julgamento, justificamos as condições e estado mental em que estava quando nos insultou.

Em nosso manual, o Sétimo Mundo do Buddhismo Chan, eu dou uma antiga técnica Buddhista para fazer isso. Toda religião tem mais ou menos a mesma técnica. Esta noite darei a versão Judaica. Uma versão dessa versão ficou famosa contada pelo grande escritor russo Solomon Rabinowitz, que escrevia com o nome de Sholom Aleichem - que significa "A Paz esteja convosco". Rabinowitz escreveu sobre as vidas de seus companheiros judeus russos e também sobre a perseguição pela qual passaram durante a perseguição da virada do século.

Um catador de lixo e sobras chamado Vanya Tzvi morreu, e agora tinha que encarar o Dia do Julgamento. Ele parece fora de seu meio, sentado no lugar do réu. Ele está encardido, e suas roupas esfarrapadas. Deus senta-se majestosamente na cadeira do Juiz, com uma lista de esplêndidos cidadãos do Paraíso como o júri. Um anjo acusará Vanya Tzvi de várias ofensas, enumerando as razões pelas quais ele não deve ser admitido no Paraíso. Um anjo de defesa terá a difícil tarefa de dar satisfações sobre acusações e dar razões pelas quais deve ser permitido ao réu entrar nos precintos sagrados.

Se o defensor perder, sua entrada no Paraíso é barrada, e todos nós sabemos o que isso significa... Mas se ganhar, ah, então poderá ter qualquer coisa que queira... Mansões... Jóias... Servos... Amigos... Guloseimas ou diversões de todo tipo. O Paraíso é um ótimo lugar.

Mas agora a coisa é séria. O Anjo da acusação se levanta e fala à corte. "Vocês conhecem este homem, este Vanya Tzvi. Mesmo que nunca o tenham visto, vocês o conhecem. Conhecem porque todas as comunidades Judaicas na Rússia é amaldiçoada com alguém assim. Vocês podem vê-lo todos os dias, catando lixo. Vive na miséria em algum barracão normalmente perto do depósito de lixo. As pessoas riem dele. E a razão pela qual ele é uma maldição é que as pessoas que ofendem os Judeus podem usá-lo como um exemplo dessa gente.

"Por não tomar banho e porque suas roupas são imundas, o chamam de Judeu Sujo. E então as inocentes crianças Judias, imaculadamente vestidas, tem que sofrer o insulto de serem chamadas de Judeus Sujos. Seus pais trabalharam duro para manter a casa, comida, corpos e almas limpas. E eles, também, tem que sofrer esses insultos.

"E porque Vanya Tzi é preguiçoso e não quis ir para a escola e portanto é tal espetáculo de ignorância, o chamam de Judeu Idiota; e porque não se se dá ao trabalho de procurar um emprego decente, o chamam de Judeu preguiçoso. E os mais estudiosos e trabalhadores Judeus são chamados de idiotas e preguiçosos... Por causa dele.

"Ah, Vanya Tzvi pode não se importar com os nomes pelos quais o chamam; mas os outros se importam, e isso os machuca, e é injusto que devam sofrer por causa da vergonha que ele traz."

E assim o Anjo da acusação foi. E Vanya Tzvi afundava em sua cadeira. Não parecia bom para ele.

O Anjo da acusação continuou. "Ele não quis morar com sua própria gente, preferiu a companhia de animais... Como ele mesmo... Que revirava o depósito de lixo para ver o que podia encontrar de graça. Senhoras e senhores do júri", concluiu, "uma corrente é tão forte quanto seu elo mais fraco. É dever de cada membro de uma minoria, uma minoria que está sujeita a preconceitos da maioria, considerar como suas ações podem refletir sobre os outros membros da minoria. Ele deve se importar com o bem-estar dos outros e agir de acordo! E agora! Agora este homem quer vir aqui e viver entre aquelas pessoas que ele passou toda a vida desgraçando. Não! Barrem-no deste lugar sagrado porque ele não merece estar aqui."

Todos olharam para Vanya Tzvi. Ele cobriu os olhos tentando evitar os terríveis olhares que estavam sendo lançados a ele.

Então o Anjo da defesa se levantou. Limpou sua garganta algumas vezes... "Ha hãããm... Ha hãããm" e quando finalmente falou, ele perguntou, "Quem veio primeiro, o ovo ou a galinha?" Os membros do júri se olharam sem entender coisa alguma e Vanya começou a imaginar quão quente exatamente deveria ser o Inferno.

"Bem", perguntou o Anjo, "Quem veio primeiro, o ovo ou a galinha? Foi Vanya Tzvi que rejeitou a sociedade Judaica ou a sociedade Judaica que rejeitou Vanya Tzvi? Ele foi morar no depósito de lixo porque preferia viver lá ou porque as pessoas preferiram que ele não vivesse com elas? Ele nasceu em uma boa família como a dos outros. Então, porque foi embora?" Agora o Anjo tinha a atenção de todos. O júri começou a ouvir.

"Eu ouvi o Anjo da acusação falar de 'se importar'?", perguntou. "Conhecemos a história de Vanya Tzvi. Vamos ver onde 'se importar' aparece lá. Quando os pulmões de sua mãe estavam totalmente doentes e ela ficou irremediavelmente de cama, quem se importou em cozinhar e limpar a casa e cuidar dela? Ele. ninguém mais. E era apenas um garoto então.

"Quando seu pai foi morto num acidente de carruagem, quem se importou em pagar o funeral? Ninguém. Levou anos atá que Vanya pudesse comprar para ele uma lápide!

"E a mãe de Vanya? Quem se importou com ela quando passou a ser então uma viúva tuberculosa? Ele. Vanya Tzvi se importou. Outras crianças iam para a escola mas ele ficava em casa para cuidar dela. Tinha que ir ao depósito de lixo para achar lenha para queimar. Tinha que mendigar comida. Lhe deram legumes que iriam jogar fora mesmo.

"Então ele achou um modo de ganhar pouquinho de dinheiro. Consertaria coisas que achava no lixo, e as venderia... Para pagar o aluguel e comprar comida e pagar o tratamento de sua mãe. Não tinha roupas limpas... Tinha apenas as roupas que vestia todos os dias. Quem se importou em lavar suas roupas ou lhe dar roupas novas, ou lhe dar lápis e papel e livros, e um pouco de instrução? Ninguém.

"Sim, ele era sujo e sem instrução, quando era adolescente e sua mãe finalmente morreu, ninguém se importou em oferecer lugar para que ele morasse ou andar com seus filhos. Então ele enterrou sua mãe e foi viver num barraco perto do depósito de lixo da cidade. E quem eram seus amigos? Os cachorros e gatos que foram abandonados pelas boas pessoas da cidade. Então, aqueles que tinham de sobra não se importaram com os animais que mandaram para a rua. Mas quem tinha pouco se importou... E ele levou consigo os animais... E compartilhou com eles o pouco que tinha.

"Quem ele ofendeu em toda a sua vida? Quando," o Anjo quis saber, "quando foi necessário que alguém se importasse, ele falhou? E agora temos que ouvir que ele não serve para sentar-se com seus vizinhos aqui no Paraíso. Quem merece mais estar aqui? Se o 'se importar com os outros' é nossa referência de julgamento, ninguém merece estar aqui mais do que ele!"

Enormemente indignado por haver mesmo uma única questão sobre as qualificações de Vanya Tzvi, o Anjo da defesa se sentou.

O júri levou apenas dois minutos para decidir a favor de Vanya Tzvi. Deus concordou totalmente com o veredito. Um Coro de Anjos Celestiais começou a cantar.

E Deus disse a Vanya, "Levante-se, meu filho. Bem-vindo ao Paraíso. Agora me diga o que seu coração quer. O que é que você mais deseja?"

E Vanya Tzvi pensou e pensou, e então disse, "Por favor, Senhor... Se todas as manhãs eu pudesse ter um pão quente... Com manteiga..."

E dizem que nesse momento um grande silêncio caiu sobre o tribunal, o Coro Celestial silenciou e mesmo a música das esferas não se podia ouvir. E então o silêncio foi quebrado quando um Anjo suspirou ao ver uma lágrima rolar pela face de Deus.

E essa é a lição que temos que aprender... Devemos devolver uns aos outros nossa humanidade. Temos que ver o mundo com os olhos dos outros. Temos que trocar o orgulho por humildade. Trocar a raiva pela compaixão. Temos que procurar o Buddha em cada um, em cada um de nós, porque nós também teremos que um dia encarar um Dia do Julgamento; e o Anjo que teremos nos representando pode não ser tão bom quanto o de Vanya.

 
Última modificação: 12/01/2006
Ordem Zen-Buddhista de Hsu Yun
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